O CONTROLE E MODULAÇÃO DE EFEITOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A SUA REPERCUSSÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Resumo:O presente artigo tem o condão de analisar o controle de constitucionalidade e a modulação de efeitos sob a argumentação do fisco em sede de controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal e a sua repercussão nos processos administrativos fiscais.

Palavras-chave:Supremo Tribunal Federal, Controle de Constitucionalidade, Modulação de Efeitos, Processo Administrativo.

Abstract: This article has the power to analyze the control of constitutionality and the modulation of effects under the tax authorities reasoning in terms of constitucional review by the Federal Supreme Court and its repercussion in tax administrative processes.

Keywords: Federal Supreme Court, Constitucional Review, Modulation of Effects, Administrative Process.

Introdução

Após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o controle de constitucionalidade se formatou de maneira mista. Isso se deu pela influência do direito Europeu e Americano no direito Brasileiro.

A Constituição Brasileira vigente reúne dois mecanismos de controle, quais sejam, de controle difuso e concentrado. O primeiro, também conhecido como judicial review2, advém do modelo norte americano, inclusive com a previsão do que hoje se chama recurso extraordinário.

Por sua vez, o segundo mecanismo, também conhecido como modelo Kelseniano ou Austríaco, segundo a doutrina, foi introduzido pela Emenda Constitucional 16 de 1965, sob a égide, portanto, da Constituição Federal de 1946. A referida emenda trouxe a Representação de Inconstitucionalidade3, que foi o embrião da atual Ação Declaratória de Inconstitucionalidade Genérica.

Ao fim do processo de controle de constitucionalidade, caso a norma seja declarada inconstitucional, impera-se a teoria da nulidade como ponto de partida, pois o ato normativo inconstitucional é nulo. Ocorre que, essa teoria tem sofrido alguns temperamentos em direção à tese de anulabilidade, tendo como exemplo clássico dessa mitigação da teoria da nulidade a possibilidade de modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

As decisões em controle concentrado são, em regra, ex tunc e erga omnes, ou seja, leva-se em conta a nulidade da lei, fazendo com que ela jamais tivesse existido, e valendo para todos sem distinção. Nesse momento pode ocorrer a modulação de seus efeitos, em regra, as eventuais modulações recaem sob o aspecto temporal e não pessoal.

 Abstraindo a questão judicial, temos os processos administrativos em que também são discutidas lides de diversas matérias, em especifico desse trabalho, as

lides tributárias junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Nesse aspecto temos a interferência direta das decisões de controle concentrado de constitucionalidade nos processos administrativos, e principalmente na questão da modulação de efeitos fundamentada em argumentos econômicos. Também, na segurança jurídica de decisões moduladas para processos administrativos fiscais já findados.

O Controle Constitucional judicial em matéria tributária e sua modulaçãode efeitos

O controle de Constitucionalidade está em constante evolução no direito brasileiro. Em outrora, o controle concentrado se dava apenas pela Ação Declaratória de Inconstitucionalidade genérica, por sua vez, atualmente ampliou-se o leque de ações de controle concentrado, vejamos: Ação Declaratório de Constitucionalidade4, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental5, Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão6, e Representação Interventiva ou ADI interventiva7.

O foco do controle de constitucionalidade é preservar a supremacia da constituição sobre as outras normas do ordenamento jurídico. Dessa hierarquia decorre o princípio da compatibilidade vertical. Mencionado pelo Eminente Ministro Celso de Mello, na Adi 1120/PA:

‘’A ação direta, enquanto instrumento formal viabilizador do controle abstrato, traduz um dos mecanismos mais expressivos de defesa objetiva da Constituição e de preservação da ordem normativa nela consubstanciada. A ação direta, por isso mesmo, representa meio de ativação da jurisdição constitucional concentrada, que enseja, ao Supremo Tribunal Federal, o desempenho de típica função política ou de governo, no processo de verificação, em abstrato, da compatibilidade vertical de normas estatais contestadas em face da Constituição daRepública.Ocontroleconcentradodeconstitucionalidade,porissomesmo,transforma,oSupremoTribunalFederal,emverdadeirolegisladornegativo(RTJ 126/48, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 153/765, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ

178/22-24, Rel. Min. CELSO DE MELLO). É que a decisão emanada desta Corte – ao

declarar, “in abstracto”, a ilegitimidade constitucional de lei ou ato normativo federal ou estadual – importa em eliminação dos atos estatais eivados de inconstitucionalidade (RTJ 146/461-462, Rel. Min. CELSO DE MELLO), os quais vêm a ser excluídos, por efeito desse mesmo pronunciamento jurisdicional, do próprio sistema de direito positivo ao qual se achavam, até então, formalmente incorporados (RTJ 161/739-740, Rel. Min. CELSO DE MELLO).’’ 8- grifei

A teoria da nulidade do ato normativo inconstitucional surge com o direito norte americano, em que a norma em descompasso com a carta magna é considerada absolutamente nula.9

Por sua vez, no direito Austríaco e com fundamento na teoria Kelseniana10, foi adotado o modelo de anulabilidade da norma constitucional. Nesse Aspecto a decisão judicial em relação a norma jurídica possui natureza constitutiva e não declaratória, noutras palavras, a norma constitucional mantem sua eficácia até o momento da decisão de inconstitucionalidade vide operar efeitos imediatos.

Sendo assim, a inconstitucionalidade não operaria a nulidade, mas sim e tão somente a anulabilidade do ato. Importante destacar o modelo alemão que criou um sistema misto, que contempla simultaneamente o controle concentrado e difuso. Entre os diversos aspectos suigenerisdo modelo alemão, temos a chamada declaração de inconstitucionalidade sem prolação de nulidade, nessa técnica ocorre a manutenção dos efeitos já produzidos pela norma atacada, porém, é reconhecido a sua inconstitucionalidade pela Corte.

Essa sistemática foi adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, tanto no tocante ao controle difuso exercido por qualquer juiz, quanto o controle concentrado realizado pelo Supremo Tribunal Federal. Destaca-se que em ambos os sistemas impera a teoria da nulidade da lei ou ato normativo inconstitucional, sendo nula desde o princípio.

‘’O princípio da nulidade da norma inconstitucional sempre foi acolhido como corolário natural da supremacia constitucional’’11. Porém com as novas ânsias sociais e a demanda de casos concretos o controle de constitucionalidade e seus dogmas foram se alterando no Brasil.

Um exemplo do dinamismo e das novas ânsias é que a regulamentação das ações de controle concentrado se deu em momento muito posterior a Promulgação da Constituição de 1988.

A modulação dos efeitos apesar de não ser ação, mas sim procedimento corolário da segurança jurídica e do interesse social, em várias oportunidades foi encampada pelo Supremo Tribunal Federal com o intuito de dar interpretação conforme a Constituição a certos dispositivos normativos antes mesmo da sua previsão legal.

A Modulação de efeitos foi positivada apenas em 1999, com a lei 9.868 em seu artigo 27, vejamos:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Percebe-se que o legislador ordinário optou por um modelo diferente, sendo possível, a depender do caso, adotar medidas diversas da declaração de nulidade total da norma em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que a modulação de efeitos decorre de construção jurisprudencial.

Nesse espectro o sistema jurídico Brasileiro permite a declaração de nulidade parcial, em que somente os dispositivos em desconformidade com a constituição serão declarados nulos e não a totalidade da lei. Existe ainda, a declaração de Inconstitucionalidade sem redução de texto, essa técnica permite considerar

inconstitucional uma hipótese de aplicação da lei ou método interpretativo aplicado, sem que haja alteração no texto normativo.

A hipóteses de cabimento da modulação de efeitos estão previstas no Código de Processo Civil, em especifico no artigo 927, V, § 3º, in verbis:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Extrai-se do dispositivo que a modulação de efeitos pode ocorrer quando tenha alteração do interesse social e a manutenção da segurança jurídica. Ocorre que, os conceitos de interesse social e segurança jurídica são muito amplos, em razão disso permitem diversas interpretações e aplicações.

No presente estudo, será abordado a modulação de efeitos sob o prisma dos argumentos econômicos, ou melhor, analisar a interferência de argumentos econômicos nas decisões e a segurança jurídica das modulações de efeitos após as decisões administrativas.

Para entender a norma tributária e seus reflexos tanto em seu antecedente como em seu consequente e seus reflexos utiliza-se da regra-matriz de incidência tributária (RMIT)12 criada e difundida pelo Professor Paulo de Barros Carvalho.

A referida estrutura lógico-deôntica aplica-se no âmbito do Direito Constitucional-Tributário sobremaneira em relação ao controle de constitucionalidade das normas em matéria tributária. Permitindo e abrindo novas perspectivas em relação a modulação de efeitos nas decisões de Inconstitucionalidade.

A modulação de efeitos permite que o Supremo Tribunal Federal atribua eficácia exnunca decisão. Para tal, são necessários os requisitos previstos no

supracitado artigo 927 do CPC e requisitos procedimentais, como a aprovação por meio do voto da maioria de dois terços dos Ministros.

Os requisitos previstos no supracitado artigo são referentes a conceitos abertos. O interesse social ele deve ser observado sob a ótica da extensão que a declaração de constitucionalidade pode atingir, analisando a extensão e relevância.

No mesmo vértice, temos a segurança jurídica que também é um conceito aberto e garantidor de direitos e por conseguinte deve ser analisado no caso concreto. Porém, podemos analisar a segurança jurídica sob três vieses13. O primeiro deles em relação a instabilidade jurídica que a decisão possa proporcionar ao longo do tempo, já a segunda acepção de que segurança jurídica é pilar fundante das garantias constitucionais e por fim, no tocante que a segurança jurídica corresponde às ânsias sociais na relação com o sistema jurídico.

Como cediço anteriormente, a modulação de efeitos já ocorria antes da criação da lei 9.868/99, o Supremo Tribunal Federal por criação argumentativa utilizando-se de um juízo de razoabilidade.

Para a modulação de efeitos é necessário utilizar-se de técnicas para uniformização procedimental, visando garantir a segurança jurídica e o interesse social.

Ao construir a norma o legislador se utiliza de elementos internos que compõem a estrutura da norma jurídica. Em matéria tributária utiliza-se a regra de matriz de incidência tributária para desnudar o ato normativo e entender seu antecedente e consequente.

Ao declarar um ato normativo inconstitucional ocorre a dedução lógica que a referida lei jamais existiu para o mundo jurídico tendo em vista a teoria da nulidade. E sabe-se que as normas em matérias tributárias estabelecem obrigações de pagamento ao sujeito passivo.

Ocorre que, ao declarar a inconstitucionalidade superveniente ao pagamento surge o direito de restituição do indébito tributário, tendo em vista que a obrigação jamais existiu para o direito.

E como se não bastasse, o direito de restituição do indébito serve para evitar o enriquecimento sem causa da administração pública, bem como tem espeque nos princípios da moralidade, legalidade e boa-fé.

Por sua vez, a nulidade da lei produz efeito extunc,noutras palavras, todos os contribuintes possuem direito a restituição do indébito respeitado o lapso temporal do direito, e por vezes, esse direito de restituição pode gerar diversos prejuízos financeiras a administração pública, por em risco à segurança jurídica ou ter um grande interesse social. Nesses casos, a lei e o próprio Supremo Tribunal Federal permitem a alteração dos efeitos, atribuindo eficácia diversa da teoria da nulidade, ou seja, permitindo que a declaração surta efeito apenas para o futuro.

Vale lembrar que a modulação de efeitos é medida excepcional, sob pena de estimular a inconstitucionalidade e o enriquecimento sem causa da administração pública. Nesse aspecto, tem-se que 10% dos casos em matéria tributária são modulados pelo Supremo Tribunal Federal.14

A modulação dos efeitos em matéria tributária passa pelo argumento econômico financeiro sob o viés de interesse social, tendo em vista que eventual decisão com efeito ex tunc gera prejuízos na implementação de investimentos às políticas públicas.

É bem verdade que toda declaração de inconstitucionalidade em matéria tributária gera prejuízos ao erário, ocorre que, o referido prejuízo é decorrente de equívocos do próprio Estado. Inclusive, a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê mecanismos pelos quais a administração pública pode se precaver de desequilíbrios orçamentários supervenientes e não programados.15

Ocorre que o argumento econômico financeiro para a modulação de efeitos esbarra na seguinte questão: quanto maior o indébito tributário a ser restituído maior a necessidade de modulação de efeitos tendo em vista a onerosidade que recairá sobre o erário. Mas se levarmos em conta esse raciocínio, estaremos legitimando que quanto maior o ilícito do estado menores as chances de se exigir eventual reparação, e assim fomentando as inconstitucionalidades.16

A grande questão é que a criação de tributos inconstitucionais por vezes se traveste de política pública arrecadatória. Tendo em vista que mesmo nas piores hipóteses e quando não ocorre a modulação de efeitos o fisco não terá grandes prejuízos.

Levando em conta o pior cenário possível: decisão de inconstitucionalidade em controle concreto, erga omnes e ex tunc, nasce então o indébito tributário e o dever de restituição do fisco. Ocorre que, a devolução não é voluntária, mas sim judicial, ou melhor, os contribuintes devem ajuizar ações pleiteando a restituição dos valores que por vezes são tão ínfimos que não justificam gastos com custas e advogados.

Outro aspecto é que o montante devido será pago respeitando a regra de precatórios. Vê-se que a administração pública arrecada no pretérito e restitui no futuro como se empréstimo fosse. Além de que, os juros são devidos apenas depois do trânsito em julgado de acordo com a regra do artigo 167, parágrafo único do CTN17.

E como se não bastasse, se terceiros por ventura tiverem suportado o encargo econômico da tributação, não será devido ao fisco a restituição dos valores ao contribuinte nos moldes do artigo 166 do CTN18.

Se analisarmos o caso que ocorreu em 2017, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidências do PIS e da COFINS, no Recurso Extraordinário n. 574.70619, findando uma discussão de anos, vemos que a Procuradoria da Fazenda Nacional após o Supremo ter julgado o mérito, requereu em sede de embargos de declaração a modulação de efeitos da decisão.

O pedido formulado nos embargos de declaração da PGFN não se deu por um argumento econômico financeiro, mas sim, porque a administração pública arriscou o entendimento de que o ICMS era componente da base de cálculo para fins de incidência da PIS e da COFINS, e quando fora vencida requereu a modulação de efeitos da decisão.

Cumpre destacar que a referida discussão é antiga, e o Supremo Tribunal Federal já havia julgado caso análogo no Recurso Extraordinário n. 240.785. E a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional se valendo da prerrogativa processual e de alteração do quadro ministerial quis rediscutir a matéria. Inclusive na ADC n. 18.20

Ocorre que, em momento algum o entendimento de outrora fora superado, não sendo plausível a modulação de efeitos, em que pese a decisão onerar os cofres públicos, não é crível o argumento de que existiu risco à segurança jurídica pois não há qualquer surpresa no entendimento do Supremo, mas sim, a confirmação de entendimento mesmo com alteração do quadro ministerial.

E ainda, o argumento financeiro poderia ter sido solvido pela própria administração pública desde o julgamento do Recurso Extraordinário n. 240.78521, reduzindo a base de cálculo das contribuições e aumentando suas alíquotas.

Resta evidente que a modulação de efeitos pelo risco financeiro, ainda mais quando o fisco assume o risco e insiste em teses tende a estimular as inconstitucionalidades.

DoProcessoAdministrativo Fiscal

No âmbito do Processo Administrativo Fiscal tem-se que o contribuinte ao discutir eventual imbróglio o faz de maneira inter partes e sem a tutela jurisdicional, mas sim administrativa e isso trás alguns reflexos nos seus direitos.

A arguição de inconstitucionalidade por via difusa pressupõe a não incidência da lei viciada no caso concreto. Sucede-se que o controle difuso presume a tutela jurisdicional, ou melhor, deve ser levado em comento por um juiz de direito ou ao tribunal.

Apesar da PGFN em diversas oportunidades alegar que o controle concentrado de constitucionalidade prefere ao difuso como ocorreu na ADC 18, ambos os controles são admitidos e tem sua validade. Ocorre que, o controle difuso é o único meio dos contribuintes afastarem a incidência de determinada lei inconstitucional, pois não possuem legitimidade para a propositura de ações de controle concentrado22.

É importante salientar essas questões pois é comum no decorrer de processos administrativos fiscais o contribuinte arguir junto ao judiciário a inconstitucionalidade por via difusa de ato normativo.

Mesmo o controle constitucional sendo titularidade do poder judiciário, o controle administrativo é aquele que se origina da própria administração pública. Aquele poder que têm os órgãos que a compõem, de fiscalizarem e reverem seus próprios atos, normalmente denominado de autotutela. 23

Ainda, é realizado o controle de legalidade das leis e da Constituição Federal. Nesse âmbito, o órgão responsável exerce o controle confrontando a conduta administrativa com o arcabouço normativo vigente, e caso verifique alguma incongruência anula o ato por vício de legalidade.

Não obstante, caso a mácula afronte norma constitucional maior será o vício do ato, devendo de oficio ser anulado. Tem-se que o elemento de validade do ato normativo é retirado do próprio fundamento Constitucional. Exemplo disso é o lançamento tributário, que retira seu fundamento de validade da lei, para tanto, esse ato será invalidado quanto inválida for a lei que o admitir. Porém se estiverem presentes os requisitos de eficácia e validade, caberá ao agente apenas exercer o controle sobre o ato.

Em relação ao Processo Administrativo Fiscal o ato inaugural é o auto de infração, e após a impugnação pelo contribuinte nasce de fato o litigio. Em primeira instância o julgamento é realizado de maneira singular, e na segunda instância por meio colegiado. Em regra, os agentes públicos integrantes são da administração fazendária e possuem conhecimento profundo dos temas em comento. Porém, não possuem imparcialidade tendo em vista que tal atributo existe na jurisdição, sendo obrigatório apenas em processos judiciais.

Temos então que os órgãos julgadores da administração Pública como o Conselho de Administração de Recursos Fiscais não podem afastar a incidência de normas por julgá-las inconstitucionais. Pois seria como atribuir ao Executivo a faculdade de apreciar e julgar leis às quais está submetido. Existe uma corrente que entende que seria possível atestar a Constitucionalidade de normas no âmbito do julgamento administrativo, porém não será abordado no presente artigo.

Ainda, caso fosse possível a administração pública via processo administrativo fiscal realizar o controle de Constitucionalidade ocorreria o pretexto do executivo deixar de cumprir normas constitucionais, permitindo que esse poder ficasse livre para tal descumprimento, ferindo diametralmente a separação de poderes e o check and balances.

O centro da discussão não é saber se a autoridade administrativa pode afastar a lei tida por ela inconstitucional, mas sim se a referida autoridade tem

competência para aferir a constitucionalidade da lei. Argumentar que o CARF tem essa competência é ferir a separação de poderes e usurpar competências.

A existência do controle constitucional administrativo dependeria de expressa autorização Constitucional, levando em conta que nosso sistema jurídico não valida exceção de competência por meio de norma implícita. Por tal razão, o poder executivo não tem competência para descumprir ato normativo mesmo que acredite ser inconstitucional, pois a competência para declarar a nulidade da norma é diversa, podendo apenas, retirar atos administrativos eivados.

Em relação ao controle concreto, enquanto a norma não for retirada do sistema jurídico pelo Excelso ela ainda será cogente, eficaz e válida, e nos casos de controle difuso a eficácia será suspensa apenas para as partes envolvidas na lide. E no âmbito do controle difuso cada julgado formará coisa julgada que poderá ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, já no tocante aos tribunais administrativos não existe a formação de coisa julgada.

Sendo assim, resta ao contribuinte alegar questões referentes a legalidade, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, bem como matérias de ordem pública.

Inclusive em diversas oportunidades o próprio CARF se posicionou pela sua incompetência para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.24

Ocorre que pela inafastabilidade da tutela jurisdicional é permitido ao contribuinte discutir inconstitucionalidade do processo administrativo fiscal ou dos atos normativos que geraram o crédito tributário por qualquer meio de ação, inclusive antes mesmo do exaurimento da tutela administrativa conforme entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça.

A grande questão envolvendo o controle de constitucionalidade e o processo administrativo surge nas exceções do caso concreto. Por vezes, o contribuinte ao sair derrotado de eventual processo administrativo não se utiliza da tutela jurisdicional para reverter a decisão. E supervenientemente ao processo administrativo findado surge decisão do Supremo Tribunal Federal declarando o dispositivo legal inconstitucional.

Se estivéssemos diante de decisão judicial transitada em julgada mesmo antes do Código de Processo Civil de 2015 caberia ação rescisória, nas lições de Teresa Arruda Alvim:

no caso da rescisória com o objetivo de desconstituir a coisa julgada que se forma sobre sentença proferida com base em lei posteriormente tida como inconstitucional em ação declaratória de inconstitucionalidade, o prazo só pode começar a contar a partir do julgamento da ação declaratória de inconstitucionalidade.25

Nesse espectro é o voto do Eminente Ministro Celso de Melo, relator no RE 592.912:

ocorrendo tal situação [trânsito em julgado de decisão fundada em norma posteriormente declarada inconstitucional pelo STF], a sentença de mérito tornada irrecorrível em face do trânsito em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de uma específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória), desde que utilizada, pelo interessado, no prazo decadencial definido em lei, pois, esgotado referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, que se revela, a partir de então, insuscetível de modificação ulterior, ainda que haja sobrevindo julgamento do Supremo Tribunal Federal declaratório de inconstitucionalidade da própria lei em que baseado o título judicial exequendo.

O tema então voltou a ser rediscutido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 730.462, nessa ocasião os Ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso aquiesceram da ideia de que o efeito vinculante não retroage para atingir decisões transitadas em julgado. Ou seja, transitado em julgado a decisão fundada em lei inconstitucional

declarada supervenientemente pelo Supremo Tribunal Federal quando já findo o prazo decadencial para ação rescisória, a coisa julgada teria função de modulação temporal ope legis, tendo em vista a falta de instrumentos processuais capazes de viabilizar a sua desconstituição.

Nesse julgamento o Supremo Tribunal Federal entendeu existir coisa julgada e que ela prevalece sobre possível retroatividade da declaração de Inconstitucionalidade levando em conta a presunção de constitucionalidade da norma à época.

A grande questão enfrentada nos processos administrativos fiscais é que estes não formam coisa julgada material, mas sim e apenas coisa julgada formal, vinculando e tornando a decisão imutável perante a própria administração. Portanto, não é cabível a ação rescisória fundada em declaração de inconstitucionalidade superveniente ao trânsito em julgado de decisão administrativa. Ou seja, mesmo a lei sendo declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, o contribuinte não poderia tutelar qualquer modificação no judiciário tendo em vista a ausência de coisa julgada material para ingressar com ação rescisória.

A situação acima narrada se agrava nas situações em que o Excelso modula os efeitos da decisão, nesses casos como já salientado, a norma que deveria ser considerada inexistente tem seus efeitos do ato inconstitucional mantidos de maneira que todos os contribuintes não poderão restituir o indébito.

A modulação de efeitos por si só é um paradoxo de constitucionalidade. Para a decisão ser modulada o STF utiliza-se do sopesamento de princípios, nada mais sendo que o meio de conciliação entre princípios em tensão.

O artigo 27 da lei 9.868/99 deveria ser aplicado em ocasiões extremas de efetiva segurança jurídica quando ocorre a alteração substancial da jurisprudência acerca de temas constitucionais em controle concentrado. Porquanto, o referido dispositivo apenas legitima e ratifica a incompetência da administração pública.

A segurança jurídica é guarida constitucional e veda a lesão ao direito adquirido e a coisa julgada. Por sua vez, ela é mais ampla e afeita diretamente aspectos subjetivos do cidadão, que não pode ser surpreendido com atos do Estado que tragam prejuízos.

Os argumentos do fisco são lastreados na segurança jurídica sob o aspecto financeiro, porém, a segurança jurídica do contribuinte também está em jogo. Pois além da instituição de tributo manifestamente inconstitucional, não se sabe se a cobrança ilegal gerará restituição de indébito.

A modulação de efeitos sob a ótica de que a repetição gerará prejuízos ao erário apenas fomenta que o administrador público crie obrigações tributárias inconstitucionais que possam suprir os rombos orçamentários e por conseguinte aumentar a arrecadação fiscal.

No tocante a decisão de inconstitucionalidade durante o processo administrativo fiscal perante o CARF temos o cenário que as decisões do STF em sede de recurso repetitivo e também aqueles sujeitos a repercussão geral devem ser aplicados nas decisões do CARF.

Porém se a decisão não for definitiva, e estiver pendente de eventuais embargos de declaração a aplicação da decisão pelo tribunal administrativo torna-se aberta, abrindo leque de discricionaridade acerca da vinculação ou não da decisão da suprema corte.

Existe grande divergência acerca do tema dentro das turmas ordinárias do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Existem entendimentos de que até o trânsito em julgado e consequentemente do efeito vinculando da decisão, os julgadores do CARF poderiam decidir de acordo com as suas convicções do caso concreto e nos moldes dos precedentes do próprio tribunal administrativo. No caso, a ausência de trânsito em julgado dos casos faz com que a decisão não seja vinculante ao CARF, inclusive, porque a referida decisão pode ser modulada e favorecer a fazenda pública. Tais entendimentos partem dos acórdãos do CARF sob o n. 3402-006.283 e 3301-005.182.26

Ainda, existe o entendimento de que em razão da pendência de trânsito em julgado da decisão do caso no STF, e com eventual possibilidade de modulação de efeitos o processo administrativo deve ficar sobrestado dos julgados que abordem o direito material em comento, tal entendimento é fundamentado pela aplicação subsidiária do artigo 1.035, parágrafo 5° e do artigo 15 do Código de Processo Civil, porém, cumpre destacar que não há previsão no regimento interno do CARF acerca do sobrestamento de processos. O referido entendimento é pautado nas resoluções n.3401-001.380 e 3401-001.387 27ambas do CARF e do voto vencido no acórdão sob n. 3402-006.283.

Por fim, existe uma corrente que defende a aplicação imediata do precedente do Supremo Tribunal Federal tendo em vista que a referida decisão mesmo não tendo transitada em julgado é aplicada em decisões monocráticas pelos tribunais vide acórdão 3201.004.12428 do CARF. Esse entendimento é o mais razoável tendo em vista que por uma questão de segurança jurídica não se pode ignorar a decisão pretoriana ainda que não se tenha transitado em julgado, pois se assim fosse, perderíamos uma das essências do processo administrativo que é evitar a judicialização. E como se não bastasse, não se pode olvidar de decidir a espera de eventual    modulação    de    efeitos    pois    isso    só    legitima    e    fomenta    as

inconstitucionalidades da criação de normas tributárias por parte da fazenda pública, em que a modulação de efeitos se torna fato esperado.

Conclusão

Levando em conta todo o exposto, é necessário tecer algumas considerações acerca do tema.

O controle de Constitucionalidade no Brasil é tido como misto, sendo regra geral que a partir do momento da declaração da norma como inconstitucional ocorre o reconhecimento de sua inexistência perante o ordenamento jurídico, sendo seus efeitos extunc. Ocorre que, em matéria tributária as declarações de Inconstitucionalidade por vezes têm seus efeitos modulados, passando para ex nuncem razão de argumentos financeiros do fisco.

Nesse diapasão, temos que a modulação de efeitos nos moldes citados, além de fomentar inconstitucionalidades tendo em vista inexistir ‘’penalidade’’, prefere a segurança jurídica do fisco em detrimento da segurança jurídica do contribuinte, bem como a sua relação de confiança com o Estado.

A importância do Instituto da modulação de efeitos está sendo esvaziada pela utilização rotineira de algo que deveria ser excepcional. A própria segurança jurídica em relação ao Instituto da modulação de efeitos é posta em dúvida.

E como se não bastasse, as decisões em matéria de controle concentrado de constitucionalidade quando não transitadas em julgado, por eventual pendência de embargos de declaração e por omissão da Suprema Corte fere diametralmente a função do processo administrativo, qual seja, evitar a judicialização. Tendo em vista que a suprema corte é omissa acerca dar diretrizes de prosseguimento dos processos administrativos acerca da decisão pendente de trânsito em julgado.

Noutras palavras, o Excelso permite que os tribunais administrativos e seus órgãos julgadores interpretem como aplicar a decisão até seu trânsito em julgado. Ocorre que, a depender de como o órgão administrativo entende pautar o processo e qual tese aplicar o contribuinte poderá sair derrotado, na mesma medida em que um caso paradigma o contribuinte tenha êxito no pleito.

Ainda, podemos concluir que a máxima de quanto maior o rombo orçamentário pela tributação inconstitucional maior a necessidade de modulação de

efeitos para a proteção do erário, é admitir e legitimar que quanto maior a ilegalidade perpetrada pela administração pública (maior arrecadação com lei Inconstitucional) maior será a plausibilidade de modulação dos efeitos. Atestar isso, é inverter a ordem lógica do Estado democrático de direito beneficiando a ilegalidade e o enriquecimento ilícito do Estado em detrimento do contribuinte.

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